Lima — Há menos de um mês, a capital peruana viveu dias históricos ao receber os Jogos Pan e Parapan-Americanos de 2019: o maior evento esportivo sediado pelo país. Mais do que o legado das sete instalações esportivas espalhadas pelo centro e pela região metropolitana de Lima, as competições despertaram a expectativa de plantar uma sementinha do esporte paralímpico no Peru. De forma semelhante, proporcionalmente ao que ocorreu no Brasil, que se tornou a maior potência das Américas desde que hospedou o Parapan do Rio, em 2007, edição que pela primeira vez foi realizada na mesma cidade do Pan.
As pretensões do Peru não são tão altas em termos de medalhas e resultados. Até porque o país conta com uma entidade responsável pelo paradesporto há apenas dois anos. “Começamos no fim de 2015, mas o Comitê Paralímpico do Peru só teve dinheiro do estado em setembro de 2016 (quando foi reconhecida oficialmente pelo Instituto Peruano do Esporte e pelo Comitê Paralímpico Internacional - IPC). Então, começamos com os paratletas em 2017. Temos só dois anos trabalhando”, explica Lucha Villar, presidente do Comitê Paralímpico do Peru.
Ainda assim, os anfitriões lotaram as arenas durante o evento e viram os peruanos ganharem 15 medalhas em casa. Se comparada à última edição, em Toronto-2015, em que voltaram sem nenhuma medalha, o salto foi absurdo. “Ter chegado aqui é um sonho que não sabíamos que chegaríamos e como chegaríamos, não sabíamos se iríamos passar vergonha, não tínhamos nada, não estávamos nem dentro da lei, o movimento paralímpico não existia no Peru, era tido para recreação”, conta Lucha, sem esconder a expressão aliviada.
A festa foi grande no país. Todos os anfitriões que subiram ao pódio no Parapan de Lima ganharam um apartamento na Vila dos Atletas — promessa feita antes da competição. Jogador de parabadminton, o peruano Pedro Pablo de Vinatea contou até com a presença do presidente da república peruana, Martín Vizcarra, na arena, para vê-lo ganhar o ouro na final contra o brasileiro Leonardo Arthur Zuffo. “Com as arquibancadas assim, tão cheias, foi único. O parabadminton, até o evento, não era um esporte popular. Creio que, a partir de agora, será algo com que todos sonhamos”, almeja Pedro Pablo.
O cenário se repetiu no dia seguinte para a conquista do ouro da peruana Pilar Jauregui. “Há cinco anos, fizemos uma clínica para comerçarmos o parabadminton no Peru, não tínhamos muito tempo”, conta Pilar. Segundo ela, as mudanças colaboraram para que os jogadores e jogadoras do país começassem a disputar torneios internacionais, intensificaram os treinamentos, dobrando o turno e contrataram um treinador da Índia e outro do Japão, que apresentaram novas técnicas aos peruanos. “Isso tudo ajudou bastante para elevar o nível dos atletas do país”, comemora Pilar.
Parceria entre Peru e Brasil
Não é da boca para fora que os peruanos admiram o desempenho do Brasil no paradesporto. Além de serem a principal referência das Américas, os brasileiros colaboraram de forma efetiva no desenvolvimento do paradesporto no Peru por meio de parceria entre os comitês paralímpicos dos dois países. Segundo Lucha, o convênio contou, principalmente, com cursos de capacitação que abordaram desde o movimento paralímpico até especificamente as modalidades, de acordo com as necessidades do país que se preparava para receber duas semanas de competição do Parapan 2019.
“Era o que nós dizíamos: os Jogos Parapan-Americanos eram a desculpa perfeita para mudar a cabeça das pessoas. Acho que conseguimos isso e queremos mais”, avalia a presidente. O movimento paralímpico começou no Peru ainda na década de 1970, mas pouco se desenvolveu desde então. Em compensação, no Parapan de Lima, a delegação peruana contou com 220 atletas, sendo 139 delas esportistas, atletas-guias e calheiros.
Evolução do Brasil após o Parapan
Nos Jogos Parapan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, o nadador Daniel Dias começou a encantar os brasileiros. Aos 19 anos, assumiu o papel deprotagonista daquela edição ao faturar oito ouros. “Conversando com o pessoal mais antigo, lembramos como era o movimento paralímpico no Brasil lá em 2007, no meu primeiro Parapan, e o quanto ele evoluiu depois. Não tenho dúvidas de que, no Peru, não vai ser diferente”, aposta Daniel Dias. Aos 31 anos, ele conquistou a 33ª medalha de ouro no torneio continental, no qual jamais perdeu uma disputa.
“É um comitê que foi fundado em 2015, é recente, eu espero que, de fato, eles possam usar as estruturas que foram feitas aqui e que o movimento paralímpico no Peru só cresça e mostre, assim como o Brasil veio mostrando, o valor da pessoa com deficiência”, diz Daniel Dias. Para ele, as características do povo peruano colaboram para o crescimento do esporte paralímpico no país. “É um povo solidário, nos receberam muito bem, com alegria. Temos de agradecer muito a eles”, completa.
Com a prata conquistada no tênis de mesa por equipe no Parapan do Rio-2007, a brasiliense Carla Azevedo carrega lembranças. “Na época, a gente já se sentia superimportante”. A atleta reconhece que o país, as entidades esportivas e os próprios atletas e profissionais ligados ao esporte viviam momento de aprendizado intenso. “Vejo nitidamente a evolução, principalmente em relação à visão das pessoas sobre o esporte de alto rendimento. Antigamente, éramos vistos muito como atletas em reabilitação,de superação. Hoje, não”, avalia.
Edênia Garcia tem poucas lembranças da estreia no Parapan. Faz 16 anos, no evento de Mar del Plata-2003. “Eu lembro de muito frio. A gente não tinha nem agasalho direito. Melhoramos muito, em termos de estrutura física e humana, da parte profissional, de tudo”, testemunha, em relação ao desenvolvimento da natação paralímpica do Brasil. O desenvolvimento se refletiu também em resultados.
* A repórter viajou a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro