Lima — Um assunto tem gerado polêmica no esporte paralímpico por todo o mundo: as mudanças na classificação dos atletas. Nesta sexta-feira (30/8), foi a vez de o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Mizael Conrado, voltar a criticar de forma dura o processo adotado pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês): “Temos de perguntar para o IPC se o Daniel Dias foi uma mentira para o esporte?”.
O nadador brasileiro é o maior esportista paralímpico da atualidade, com 24 medalhas paralímpicas, sendo 14 delas de ouro. Desde que o processo foi aprovado, no fim de 2017, porém, Daniel Dias viu adversários reclassificados baterem seis dos recordes mundiais que ele detinha. O chinês Lichao Wang, bronze nos 50m borboleta na Rio-2016 na S6, é um dos competidores que desceram para a classe e atualmente é recordista mundial. “Se esses atletas estavam na classe errada e são de fato S5 e não S6, então, os resultados do Daniel Dias não foram verdadeiros?”, ironizou Mizael.
Segundo o presidente do CPB, algo está errado: “Ou é o Daniel Dias campeão ou é o Daniel Dias que, mesmo melhorando suas marcas, não tem nenhum recorde mundial”. O brasileiro tinha os melhores tempos nos 100m (livre e borboleta) e nos 50m (livre, peito, borboleta e costas). O caso do nadador André Brasil causou ainda mais alvoroço. O brasileiro, dono de 14 medalhas paralímpicas na S10, foi considerado inelegível pelo comitê internacional. “Se ele não é elegível para o esporte, como é reconhecido pelo Comitê Internacional como detentor de três recordes mundiais? Não seria injusto com os atletas que estão competindo hoje?”, alfinetou Mizael.
O próprio Daniel Dias se manifestou sobre o caso. “De fato, eu não concordo com o que está acontecendo. Nós estamos sendo prejudicados, mas isso também não impedirá que eu dê o meu melhor no Mundial (em Londres, de 9 a 15 de setembro). Já sei que a realidade do Mundial será diferente, o contraste vai ser grande do que a gente está vivendo aqui”, apostou Daniel. “Do fundo do meu coração, espero que as coisas sejam resolvidas e os órgãos responsáveis tomem providências necessárias, que as regras fiquem mais claras, menos subjetivas, e que o esporte seja justo”, concluiu.
O brasileiro por trás do IPC
O presidente do IPC, por sinal, é o também brasileiro Andrew Parsons, que construiu carreira no Comitê Brasileiro Paralímpico. Na entidade, ele entrou como estagiário e se tornou presidente por dois mandatos, de 2001 a 2005, com Mizael como seu vice. “Não quero que o Andrew saia em defesa do Brasil, não é isso. Tem vários outros atletas que merecem a mesma atenção. A questão é o processo”, esclareceu. Para o atual vice-presidente do CPB, Ivaldo Brandão, o problema maior é experimentar o processo de classificação dentro das próprias competições. “A questão principal é a forma: se mostrassem um método provando que o André tem potencial de funcionalidade e não traz prejuízo para ele. O André se curou da deficiência que tinha?”, reforçou.
Durante os Jogos Parapan-Americanos, Andrew admitiu que os critérios ainda carecem de evolução e que entendia as reclamações brasileiras. “No caso específico do André, meu coração fica despedaçado. Se tem alguém que ajudou e apoiou o André Brasil a ser um S10 fui eu. Em 2006, eu estive com ele na África do Sul. Muitos sabem que ele me chamava de 'papai' no início. Agora, mudaram os testes, a forma como se avalia. Do ponto de vista pessoal, fico devastado, entristecido”, disse Andrew, na ocasião.
O presidente do IPC ainda defendeu que as mudanças possuem bases científicas, com trabalhos realizados em parceria com universidades e que a gestão do IPC garante independência para que seus órgãos hajam de maneira independente. Mizael, por sua vez, questiona quais foram essas pesquisas. Um assunto que ainda promete muitos capítulos pela frente.
*A repórter viajou a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro