"Apostando no sonho"
A história de superação da tenista Natália Mayara
A cadeira de rodas nunca foi obstáculo na vida da melhor do Brasil e 23ª do mundo.
postado em 13/01/2014 09:55 / atualizado em 13/01/2014 21:48
A timidez de Natália Mayara se revela no primeiro contato, nas primeiras palavras. Mas em pouco tempo o sorriso aparece. Tão fácil. Tão marcante. O piercing de argola no nariz é comum às garotas da sua idade. Tem apenas 19 anos. Como tantas outras, entrou na faculdade, gosta de ouvir música e mexer nas redes sociais pelo celular a todo momento. Na verdade, ela é mais. É tenista. Profissional. A melhor do Brasil e a 23ª do mundo. Já rodou o planeta – conheceu mais de 15 países. A cadeira de rodas nunca foi um obstáculo para isso. Pelo contrário, foi o meio.
O PASSADO
"As coisa melhoraram quando passei a jogar"
Para falar do presente e do futuro de Natália é impossível não remeter ao seu passado. Conhecer a história de vida dela é importante. Quando tinha apenas dois anos e meio, um ônibus passou por cima das duas pernas dela, em frente ao Hospital da Restauração. O mais incrível. Não recebeu atendimento na maior emergência do Nordeste. Não havia leito. Após oito horas de espera, foi removida, por decisão do pai, para o Hospital Português. Ele fez isso sem saber, sequer, como pagaria pelo atendimento particular. Foi lá onde a menina teve parte das duas pernas amputadas. E a vida salva.
Quando foi internada, Natália tinha poucas chances de vida. Passou 35 dias no Português. Com o estado estável, foi transferida para o Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, especializado no atendimento a vítimas de politraumatismos e problemas locomotores. Foram mais 95 dias de internamento. Era apenas o início. Após o retorno ao Recife, o trajeto à Capital Federal foi refeito diversas vezes. Os custos eram altos. A ponto de os pais dela decidirem se mudar para o centro-oeste. Deixaram tudo para trás. Empregos, amigos e família. Tudo em prol da filha.
Mudar não foi fácil. O impacto foi grande, também, para Natália, que tinha oito anos quando deixou o Recife. “Foi complicado no começo, porque ficou todo mundo aqui (Pernambuco). Em Brasília, a realidade era outra”, contou a garota, que deve ao tênis uma melhor adaptação ao novo lar. “As coisas melhoraram bastante quando passei a treinar e jogar. Isso me ajudou a conhecer mais pessoas”.
O PRESENTE
"O tênis ajudou bastante no meu crescimento"
Ver a mulher que Natália se tornou, hoje, aos 19 anos, é a prova de que tudo o que foi feito pelos pais dela valeu a pena. E a entrada do tênis na vida dela, há seis anos, tem total influência sobre isso. O esporte moldou a personalidade dela num momento delicado: a passagem da infância para a juventude. “O tênis ajudou bastante no meu crescimento, principalmente porque sou muito tímida. Hoje, eu me comunico bem melhor”, conta a garota.
Natália alcançou em pouco tempo o topo do tênis sobre cadeira de rodas no Brasil. Atualmente, não tem adversárias no país. Na América Latina, a chilena Francisca Mardonis é a principal rival. Mas a brasileira já ganhou dela na última temporada. No último ranking mundial divulgado, no dia 6 de janeiro, a pernambucana aparecia na 23ª posição. Detalhe: à frente dela, apenas uma tenista com a mesma idade – a japonesa Yui Kamiji, 3ª do mundo, de quem ela também já venceu. As demais são todas mais experientes.
Com o fim da temporada, Natália repetiu o que faz todos os anos. Veio ao Recife para curtir as férias. Chegou no início do mês com previsão de passar 20 dias. Trouxe, com ela, a mãe, Rosineide. O pai, Carlos Laurentino, dessa vez, ficou em Brasília. Além de matar as saudades dos parentes que ficaram, o principal objetivo é aproveitar a praia. Por isso, se estabeleceu na casa da avó, em Tamandaré, litoral Sul. De lá, só saiu para se encontrar com a reportagem do Superesportes.
O FUTURO
"A meta é subir no pódio em 2016, no Rio de Janeiro"
Ter ido à Paralimpíada de Londres, em 2012, foi uma surpresa para Natália. Foi a primeira brasileira na modalidade a disputar os Jogos. Mas foi difícil segurar o nervosismo diante da holandesa Jiske Griffioen, então número 2 do mundo. A derrota foi encarada como o maior aprendizado da carreira. Ali, deu o primeiro passo rumo ao futuro. Rumo à sua principal meta: “Quero subir no pódio em 2016, no Rio de Janeiro”.
Tudo o que Natália fará a partir deste ano será pensando em 2016. Será a segunda temporada dela atuando somente em torneios profissionais (até 2012 ela ainda disputada a categoria juvenil). Por isso, 2014 será um marco na carreira da tenista. Ela trancou a faculdade de publicidade para se dedicar somente aos treinos. Se antes treinava por duas horas, três vezes por semana, passará a trabalhar todos os dias, sendo que, em dois deles, em dois períodos. “Vai ser puxado”, prevê.
A meta em 2014 será avançar ainda mais no ranking mundial. Ano passado, ela chegou à sua melhor posição na carreira: 22ª. Em 2016, planeja estar entre as 10 melhores do mundo. Para isso, ela sabe que terá que disputar mais torneios. Em 2013, participou de sete. Foi campeã em seis. São não ganhou o outro porque adoeceu. “A meta é viajar bastante, disputar mais torneios, enfrentar adversárias fortes e somar mais pontos”, conta.
O foco de Natália esse ano será circular mais pelas Américas. “É mais barato e menos cansativo”, explica. Ir à Europa é importante, porém, mais caro, por isso menos comum. Disputar os torneios Grand Slam (os mesmos do circuito tradicional), é um projeto de longo prazo. “É um objetivo, mas é mais para frente”.
Quando começou a jogar, aos 13 anos, Natália não imaginava onde poderia chegar. Mas tinha a certeza de que queria ir longe. “Não imaginava, mas sempre sonhei muito alto. Meu técnico me falava que eu poderia ir longe. E em todo esse tempo eu fui vendo que poderia”, afirma. “Quando decidi trancar a faculdade, bateu aquela dúvida. Trocar uma coisa certa pelo esporte. Mas coloquei na minha cabeça que queria ir em frente. Como sou nova ainda, estou apostando no sonho.”
O incentivo
Estheer Verger, maior tenista sobre cadeira de rodas da história, vencedora duas vezes do prêmio Laureus (2002 e 2008), passou dez anos invicta – foram 470 jogos sem perder – e assim ela se aposentou, no início de 2013. Não por acaso, é o ídolo de Natália. A pedido do Superesportes, após contato com o Comitê Paralímpico da Holanda, Esther enviou uma mensagem de incentivo a ela.
“Ela é uma garota muito agradável e com muita ambição. Se ela estiver disposta a trabalho muito duro, vai desenvolver o tênis dela. É bom que meninas estejam dando tudo pelo tênis de cadeira de rodas. Isso só vai ajudar o esporte a crescer e chegar a um nível maior. Há muita concorrência, mas, com muito trabalho duro, amor ao jogo, e com as pessoas certas ao seu redor, ela (Natália) pode ter um futuro brilhante à sua frente no esporte”