Futebol Nacional

Na estrada

Cada viagem dos times de Minas para outro estado é planejada pelo menos 10 dias antes. E exige fôlego de outra equipe: a dos discretos funcionários

postado em 25/09/2011 10:39 / atualizado em 25/09/2011 10:52

 Jackson Romanelli/EM/D.A Press

Bem antes de o espetáculo começar, eles já estão no batente. Correria intensa, telefonemas em cima de telefonemas, entra e sai, agendas nas mãos, inúmeros diálogos e entendimentos... Quando uma equipe mineira viaja a outro estado para jogar pelo Campeonato Brasileiro – e ultimamente até quando não chega a cruzar as divisas –, o planejamento é mais amplo do que se imagina. O cronograma deve ser minuciosamente organizado, em nome do bem-estar de jogadores e comissão técnica, para que um bom trabalho seja feito nos gramados.

Muitos profissionais envolvidos na função têm extrema identificação com o clube. O roupeiro Geraldo da Silva Barros, o Geraldinho, por exemplo, dedicou parte da vida ao Cruzeiro. Há 30 anos ajuda a preparar as viagens do time, separar uniformes, isotônicos, bolsas de gelo e demais materiais, carregá-los até a van ou o ônibus e depois juntá-los para embarcar de volta. Ele conhece como poucos o dia a dia na Toca da Raposa e teve o privilégio de conviver com jogadores como Palhinha, Jorge Mendonça, Roberto Gaúcho, Ronaldo, Dida, Valdo, Sorín, Fábio Júnior, Ramires, Montillo...

Competente e dedicado, o alegre Geraldinho acompanhou grandes momentos, como as conquistas da Copa Libertadores’1997 e do Brasileiro’2003. No Brasil ou no exterior, quase não aparece no gramado para acompanhar os lances da partida. Quieto nas escadas, fica atento a qualquer pedido da comissão técnica: troca de camisas, chuteiras ou calções ou necessidade de medicamentos. “Não é bom sair do vestiário, porque não se sabe quando alguém pode precisar de mim”, diz ele, sempre com um radinho de pilha à mão para acompanhar o jogo.

Em dias de viagem, é o mais requisitado. Tem a responsabilidade de ajudar a separar a bagagem dos jogadores e da comissão técnica e levá-la com antecedência ao aeroporto. Normalmente, parte pelo menos uma hora antes da delegação. No avião, prefere ficar no seu canto, descansando e concentrado para a missão mais complicada: oferecer todas as condições para que os atletas façam boa partida.

No Atlético, um dos funcionários que ajudam os jogadores nas viagens é Rubens Pinheiro, o Ligeirinho, de 57 anos e desde 1974 no clube alvinegro.

No América, a maioria das tarefas cabe ao mordomo Adílson Alves, que entre a correria das viagens e concentrações ainda tem tempo para acompanhar os treinos no CT Lanna Drumond. Há 13 anos no Coelho, testemunhou tanto a queda à Segunda Divisão estadual quanto a ascensão à elite nacional. Com o roupeiro Carlos Roberto das Praças, o Pelé, fiel escudeiro nas viagens, zela pela qualidade do serviço. Já fizeram muitas viagens de ônibus ao Nordeste na época da Série C, rodando milhares de quilômetros. “É um trabalho longo. Começa aqui e termina só quando a gente chegar”, diz Adílson, agora também na torcida para que o time não volte para a Série B.

Jorge Gontijo/EM/D.A Press


BIJUTERIA

As dificuldades para planejar uma viagem são muitas. Cada tarefa depende de outra, como em um trabalho de bijuteria ou ourivesaria. No caso de Atlético, Cruzeiro e América, a programação é cuidadosa nos jogos em casa – sem o Mineirão, o trio quase sempre percorre os 65 quilômetros até Sete Lagoas.

Os preparativos começam na escolha do horário de viagens e dos locais de hospedagem. Pelo regulamento do Brasileiro, a CBF só custeia passagens aéreas e hotéis para visitantes. Cada clube tem direito a 35 poltronas na TAM (licenciada pela entidade) e 19 quartos – 14 duplos e cinco simples. São credenciados 20 jogadores, 10 integrantes da comissão técnica (diretor e supervisor de futebol, técnico, assistente, preparador físico, treinador de goleiros, massagista, roupeiro e dois médicos) e pelo menos dois seguranças. Três vagas são de dirigentes.

Os clubes têm o direito de escolha em uma lista de hotéis, optando com base na estrutura física, na posição geográfica estratégica ou até pela possibilidade de campo para treinos. Voos e vagas nos apartamentos são pré-agendadas pelo menos 10 dias antes da viagem.

Forasteiros sem sair do estado

Quando decidem mandar partidas fora de Sete Lagoas, os clubes mineiros passam a ser responsáveis pelas despesas da viagem. Devido às limitações da Arena do Jacaré – capacidade pequena, renda menor, pressão da torcida e cadeiras muito próximas do campo –, América, Atlético e Cruzeiro às vezes recorrem ao Ipatingão ou ao Parque do Sabiá (Uberlândia). E a logística é a mesma dos jogos fora de Minas.

A baixa média de público levou o Cruzeiro a mandar partidas em Uberlândia ou Ipatinga. No Triângulo, foram três jogos (duas vitórias e uma derrota). No Vale do Aço, um (revés diante do Figueirense). Os horários de voo seguem os padrões de viagem interestadual, com ida na véspera. “Sete Lagoas foi vantajosa porque vários torcedores que moram lá viram o Cruzeiro jogar. Mas perdemos em termos financeiros, pois deixamos de arrecadar recursos”, diz o supervisor Benecy Queiroz.

O Atlético decidiu apostar em Ipatinga devido à fanática torcida na região e por ser uma cidade tranquila para treinar em meio à má fase. Apesar de as arrecadações serem satisfatórias (o total é estimado em R$ 400 mil), a passagem pelo Vale do Aço não foi boa, pois o alvinegro perdeu quatro vezes lá.

Em troca do apoio financeiro de empresários de Campo Grande, que pagaram R$ 200 mil, o América “recebeu” o Internacional no Morenão (a renda foi de R$ 100 mil). Em Sete Lagoas, sua média de público é de 2,5 mil. No Estadual, o Coelho já havia atuado duas vezes em Varginha, recebendo estrutura para treinamentos, com campo, piscina e academia. Sem ônibus próprio, o time tem de terceirizar o serviço – Atlético e Cruzeiro ganharam recentemente um da Volkswagen.

 Jackson Romanelli/EM/D.A Press


TRANQUILIDADE

Os clubes sempre levam equipe própria de segurança, mas podem solicitar batedores para escoltar e proteger o ônibus da delegação até o estádio. O Atlético, que enfrentou o Atlético-GO em Goiânia, não precisou terceirizar a prática, pois conta com três homens para garantir a segurança do grupo. “Dificilmente recorremos ao serviço. Mas, se julgarmos necessário, podemos ter um acréscimo”, afirma o supervisor Carlos Alberto Isidoro.

A logística para conseguir campos para treinos é a mesma: pode ser usada a estrutura de um clube da cidade que não seja o adversário, sem ônus. Para Benecy, há camaradagem entre os clubes. “Não há empecilhos para conseguirmos o campo. Também sempre liberamos a Toca da Raposa para os adversários do Atlético no Brasileiro”.

Cozinheiros e nutricionistas não acompanham a equipe. Pelo menos cinco dias antes, estabelecem o cardápio com base na dieta, na alimentação e nos suplementos de cada atleta. A lista é enviada ao chefe de cozinha do hotel para que tudo seja preparado adequadamente.

Distância define a logística

Em qualquer jogo fora de casa, 37 pessoas compõem a delegação do Palmeiras. Além dos 19 jogadores relacionados, toda a comissão técnica, um assessor de imprensa e dois seguranças integram a caravana, completada pelo diretor de futebol, Roberto Frizzo, e o gerente administrativo, Sérgio do Prado, responsável pela logística.

Para que tudo dê certo, passagens aéreas e hospedagens são marcadas com no mínimo três semanas de antecedência. “Tudo depende do adversário, do horário da partida e dos pedidos da comissão técnica”, explica Sérgio do Prado. “Em Goiânia, contra o Atlético-GO (hoje), haverá um desgaste muito maior, pela distância, pelo calor e pela baixa umidade do ar. Por isso, programamos chegar dois dias antes para os atletas se aclimatarem, com treino no sábado de manhã.” Se a partida é no Rio, por exemplo, o time vai na manhã do mesmo dia ou na véspera.

Às vezes, a comitiva palmeirense usa artifício em desuso no futebol. Depois do jogo de hoje, a delegação dorme em Goiânia e volta amanhã de avião. Se fosse no Rio ou em Curitiba, porém, a turma voltaria de ônibus mesmo – opção mais barata e menos desgastante.

IMPREVISTO

Além de passagens e hospedagens, outros detalhes ocupam as planilhas do gerente administrativo, com quase 20 anos no futebol. Em cada cidade que a delegação desembarca há um ônibus na porta do aeroporto à espera. Seguranças locais também são contratados para acompanhar os jogadores. Se a comissão técnica pede, um campo de futebol para treinar já está reservado. Mesmo com todos os detalhes acertados previamente, às vezes há obstáculos de última hora.

Em fevereiro, por exemplo, o Palmeiras foi a Teresina enfrentar o Comercial pela Copa do Brasil. Mas um apagão no aeroporto obrigou a delegação a descer em Fortaleza, a 600 quilômetros de distância. Por sorte, Sérgio já estava no Nordeste havia três dias e agendou em cima da hora um hotel com 37 lugares disponíveis na capital cearense. A equipe seguiu de ônibus na manhã seguinte para o Piauí. À noite, na vitória por 2 a 1 que não eliminou o jogo de volta, os jogadores acusaram o cansaço. Em um país continental, às vezes o planejamento perde para o imprevisto.


PASSO A PASSO
Sequência das etapas de cada viagem interestadual
15/10 dias antes
Os voos para as cidades e os quartos dos hotéis são previamente marcados, evitando problemas na hora

5 dias antes
Os nutricionistas dos clubes enviam o cardápio aos hotéis, com café, alimentação, sobremesas e lanche da tarde determinados

3 dias antes
Os clubes comunicam sobre a necessidade de ônibus para transportar a delegação nos translados entre aeroporto, estádio e hotel, seguranças, locais de treino e academias (se necessário)

2 dias antes
Os passageiros são confirmados e a lista é enviada à TAM para que o check-in seja feito antecipadamente

Véspera do jogo
Bagagens dos jogadores são levadas em vans ao aeroporto pelo menos duas horas antes do embarque da delegação

Dia do jogo
Os jogadores ficam concentrados, descansam e só podem sair do hotel com autorização da diretoria. Três horas antes da partida e uma depois das bagagens, a delegação sai para o estádio